Revista Le Figaro Magazine: A guerra secreta no Vaticano. Francisco não conduz uma reforma, mas uma revolução

22.12.2014 -

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A revista Le Figaro Magazine desta semana sai com o título “Guerra secreta no Vaticano”. Um título sensacionalista, destinado a chamar a atenção, mas não somente. Dentro, um dossiê de 11 páginas bastante denso, constituído por um artigo de Jean-Marie Guénois que recapitula os fatos das últimas semanas, desde o Sínodo de outubro passado, examinando minuciosamente a governança de Francisco, as oposições na cúria, a preocupação compartilhada por leigos e religiosos, as reformas, as aberturas, o círculo de convívio…, uma entrevista do cardeal Burke, que se diz “muito preocupado” – (sabe-se a essa ocasião que, solicitado, o corajoso cardeal Kasper, comumente tão tagarela, não encontrou tempo em sua agenda muito lotada para responder oralmente às perguntas do Figaro, sem dúvida prejudicado por uma reputação excessiva de jornal conservador. Ele se contentou em responder por escrito que ele não estava “descontente. O que chamam de “efeito Francisco” se estende lentamente. (Ele está) consequentemente convencido de que ele culminará num acordo bastante amplo no fim do próximo sínodo”); e, enfim, de Jean Sévilla, uma “pesquisa na França”, junto de “intelectuais católicos”… da qual confesso que a opinião me deixou insensível por diversas razões, e da qual não falarei aqui.Imagino que a leitura do artigo de Jean-Marie Guénois vai indispor os cato-papistas zelosos (que já o atacaram duramente sobre seu livro “Até onde irá Francisco”) é de crer que essas pessoas, se não forem de uma má-fé absoluta, colocaram uma venda sobre os olhos; o artigo é muito bem documentado, e não percebi pessoalmente nenhuma inexatidão. A priori, não há sobretudo nenhuma hostilidade para com Francisco (condição sine qua non para que o artigo seja aceito!), ao contrário, nada além dos fatos que foram quase todos documentados nessas páginas.

Escaneei a edição impressa do artigo de Jean-Marie Guénois, que não reproduzo inteiramente hoje por razões de direitos autorais, já que por enquanto o artigo está reservado aos assinantes.

Aguardando que a versão completa seja disponibilizada on-line, eis aqui algumas passagens particularmente significativas e/ou inéditas:

DESACRALIZAÇÃO

Tudo o que o papado conservava de imperial, ele interrompeu. Não há mais genuflexão diante dele. Menos ainda cerimônia de beija-mão. Esse papa, que se sente antes como bispo de Roma – a palavra “papa” aflora pouco de seus lábios – não criticou sua batina, outro dia, a um prelado que ele recebia para uma reunião de trabalho? Roupa sóbria e clergyman bastam.

FIM DO ESTADO DE GRAÇA

Esse papa agrada externamente… Mas esse estado de graça se torna menos penetrante nos círculos dirigentes da Igreja. Algo parece mesmo ter mudado desde o sínodo sobre a família do outono de 2014. Como se a perturbação tivesse maculado uma benevolência que se manifestara a priori após a eleição pontifícia. E o acumulo dos indícios permite se perguntar: a Igreja católica não corre o risco de enfrentar uma tormenta no fim do ano de 2015, após a segunda sessão do sínodo sobre a família?

TODA À ESQUERDA

Ainda que (Francisco) seja de espiritualidade clássica, está bem claro agora que ele é diretamente inspirado e aconselhado pelas correntes católicas herdeiras da visão mais progressista do Vaticano II… Ora, a Igreja não pode “se reduzir”, como disse o papa, à sua direita e à sua esquerda, mas a verdade é que essa última “sensibilidade” hoje está nos comandos.

NOMEAÇÕES ARGENTINAS

Na Argentina, seu país natal, Francisco, em apenas um ano e meio de reinado, substituiu ou nomeou nada menos do que… 26 dos 74 bispos! Ou pouco mais de um terço. Uma fonte bem informada nesse país, muito preocupada em não ser identificada, considera que essas nomeações vão “todas na mesma direção”.

PREFEITOS DE DICASTÉRIOS SOB TUTELA

Em Roma, o prefeito encarregado da nomeação dos bispos, o cardeal canadense Marc Ouellet, nomeado por Bento XVI, teve sua função dividida com um número 2, amigo de Francisco. Mesmo método no setor litúrgico: no dia 24 de novembro, o papa colocou o tradicionalíssimo cardeal africano Robert Sarah na liderança da Congregação para o culto divino, porém não sem ter destituído, por outro lado, em 5 de novembro – com “efeito imediato” – aqueles que deveriam ser seus adjuntos: o inglês Anthony Ward e o espanhol Juan Miguel Ferrer Grenesche. Eles foram substituídos por um italiano, promotor de um retorno a uma liturgia moderna, e o padre Corrado Maggioni.

O MEDO REINA

“Seu modo de governar desconcerta”, confia um alto responsável da Santa Sé, famoso por sua moderação.

“O clima interno não é bom. O medo reina, pois ninguém hoje está seguro de seu futuro, enquanto que a Santa Sé era por excelência sinônimo de estabilidade”,explica um leigo que trabalha no Vaticano.

Informado dessa atmosfera negativa em sua própria casa, Francisco convocou todos os empregados do Vaticano, no próximo dia 22 de dezembro, para uma reunião inédita.

ESPERANDO O SÍNODO DE 2015

Como estrategista, Dom Forte, o secretário do sínodo, também não perde sua tranquilidade (como Kasper): “No concílio Vaticano II, explica ele, as verdadeiras evoluções ocorreram durante alguns debates entre as sessões”.

Assim, o prelado espera que os espíritos evoluam em favor das reformas daqui até o próximo mês de outubro, segunda sessão do sínodo. Contudo ele paga caro por seu comprometimento: candidato, em meados de novembro, à vice-presidência da Conferência episcopal italiana, ele foi amplamente derrotado. A eleição se seguiu ao sínodo. Esse fracasso foi percebido como uma mensagem enviada ao papa. Do mesmo modo, na África e, particularmente, nos Estados Unidos, os bispos elegeram, para a próxima assembleia, representantes de preferência contrários a qualquer evolução.

REVOLUÇÃO

Então o que Francisco quer?

Um espanhol que o conhece particularmente bem, visto que ele é superior dos Jesuítas, o padre Adolfo Nicolas, confirma que Francisco não conduz uma reforma, mas uma “revolução”.

Se ele for até o fim, “as consequências dessas evoluções seriam de uma gravidade inaudita”, preocupa-se o cardeal italiano Velasio De Paolis.

Fonte: Benoît et Moi / Tradução: Dominus Est   -   www.rainhamaria.com.br