Epidemia não identificada atinge crianças há quase uma década na Índia


 

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Todos os anos, em meados de maio, mães assustadas chegam com seus filhos nos braços aos hospitais de Muzaffarpur, uma das regiões mais miseráveis da Índia. Aparentemente saudáveis apenas horas antes, a maioria das crianças está em coma pontuado por convulsões.

Os médicos procuram acalmar as convulsões e manter as crianças hidratadas, mas são obrigados a assistir, impotentes, ao lado dos pais angustiados, a morte de um terço de seus pequenos pacientes, muitas vezes em questão de horas. Então, tão repentinamente quanto chegou, a doença misteriosa desaparece com as chuvas das monções, no mês de julho. Ninguém sabe o porquê.

Os casebres de barro e bambu desta parte da Índia abrigam mais crianças moribundas que qualquer outra parte do mundo. A diarreia e a desnutrição são, há muito tempo, os grandes flagelos da região. Mas agora há também essa doença desconhecida.

Embora as estatísticas de saúde pública sejam pouco confiáveis por aqui, acredita-se que dezenas de milhares de pessoas por ano sejam infectadas por essa doença -e que milhares delas morram. Os médicos sabem apenas que a doença é uma forma de edema cerebral, ou encefalite, mas essa descrição cobre um largo espectro de enfermidades.

Os médicos já realizaram exames para averiguar a presença de causas conhecidas de edema cerebral, incluindo meningite e encefalite japonesa, mas os resultados são quase sempre negativos. As autoridades de saúde da Índia dizem que desconhecem as causas da doença.

"Esse surto acontece todos os anos, e ainda não conseguimos identificar a causa nem um único fator responsável por ela", disse L. S. Chauhan, diretor do Centro Nacional de Controle de Doenças da Índia. Com a ajuda dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, Chauhan lançou neste ano um programa para formar um contingente de pesquisadores da doença.

Os primeiros relatos sobre a enfermidade misteriosa datam de 1995, quando quase mil crianças adoeceram e 300 morreram nos três hospitais de Muzaffarpur. Desde então, houve epidemias menores quase todos os anos.

As autoridades dizem não saber se a doença surgiu em 1995 ou se simplesmente não tinha sido detectada antes. Não apenas ela já se espalhou para áreas próximas, como, recentemente, os pesquisadores identificaram casos semelhantes no vizinho Nepal.

"A Índia tem um problema enorme com a encefalite", comentou Rajesh Pandey, um dos epidemiologistas que trabalham em Muzaffarpur.

Os membros da equipe de Chauhan trabalham 14 horas por dia. Quase todas as noites, eles se reúnem numa salinha para atualizar cartazes improvisados com informações sobre cada caso e para debater suas teorias.

No hospital vizinho, pais comentam em tom de medo que um fantasma deve estar irado. Alguns pintam pontos pretos sobre a testa dos irmãos dos filhos doentes, para afastar mau olhado.

Os pesquisadores colheram amostras de sangue, urina e fluido cerebrospinal de todas as crianças doentes deste ano -houve 133, 59 das quais morreram- e fizeram aos pais delas mais de 150 perguntas sobre a alimentação e a água consumidas pela criança, sobre onde e como elas dormiam e sobre seus vilarejos.

Recentemente, o Dr. Pandey visitou o vilarejo de Chotta Sindhwari e a casa de Mohammad Nasir, conhecido apenas como Nasir, que tem dez anos e estava internado com edema cerebral.

Pandey pediu para ver onde Nasir dormia. Os pais do garoto lhe mostraram um quartinho numa casa de tijolos com chão de terra, telhado de bambu e uma plataforma de madeira para dormir. Moscas voavam por toda parte, e um bode entrou no quarto. Perto da cama, estavam empilhados sacos de milho e arroz, que atraem ratos.

A água vinha de uma bomba nas proximidades, e havia água parada. Pandey colheu amostras.

Ele também foi olhar um agrupamento de lichias nas proximidades. Uma teoria é que morcegos infectados contaminem os frutos das árvores, que amadurecem de maio a junho. Pandey comentou: "Ficarei aqui até terminarmos o trabalho".

Fonte: Folha SP